sábado, 17 de agosto de 2013

Primeiro mestre indígena da UFRGS define escola ideal para índios.

Até se tornar mestre, com a formatura em pedagogia na Universidade Metodista IPA de Porto Alegre, em 2008, Zaqueu percorreu um longo caminho Foto: Flávio Dutra / Divulgação"Agradeço em primeiro lugar a Tupẽ (Deus), que iluminou o meu caminho durante esta caminhada, e também aos espíritos ancestrais Kaingang, que, em sonho, me possibilitaram desvendar os saberes indígenas que consagro como conhecimento". Assim começa a seção de agradecimentos da dissertação de mestrado de Zaqueu Key Jópry Claudino, 42 anos, também conhecido como Zaqueu Kaingang. Desde o início é possível perceber que não se trata de um trabalho comum - além das tradicionais versões do resumo em português, inglês e espanhol, há ainda uma em kanhgág, primeiro idioma aprendido por Zaqueu.
Pertencente à tribo dos Kaingang, Zaqueu é o segundo filho de uma família de cinco, o primeiro indígena formado mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e primeiro indígena mestre em educação do Rio Grande do Sul. A titulação veio em junho deste ano. Ele lamenta que nenhum de seus irmãos tenha ido além do ensino médio, mas se orgulha do caminho tomado por sua família: com o título de mestre em mãos, Zaqueu pretende iniciar o doutorado no próximo ano; sua esposa, Rute, cursa geografia; os filhos mais velhos, Gilmar e Cleverson, são formados em história e enfermagem; e a filha mais velha, Juciane, também cursa enfermagem. Destino que espera também para os caçulas, Giovani, 9, e Geovana, 7.
Agradeço em primeiro lugar a Tupẽ (Deus), que iluminou o meu caminho durante esta caminhada, e também aos espíritos ancestrais Kaingang, que, em sonho, me possibilitaram desvendar os saberes indígenas que consagro como conhecimento
Zaqueu Key Jópry Claudino
Os primeiros contatos com a língua portuguesa e com a educação escolarizada ocorreram simultaneamente quando ele tinha cerca de 12 anos. E a contar por esta primeira experiência, seria difícil prever que Zaqueu desse continuidade aos estudos – e ainda escolhesse a área da educação para se especializar. Quando começou a frequentar a escola, nem Zaqueu nem seus pais tinham vontade de construir um futuro fora da aldeia para o menino. "Não havia a perspectiva de me tornar médico ou advogado, nem havia interesse em dar seguimento à formação", conta.
O objetivo principal das aulas, todas ministradas por professoras brancas (fóg em kanhgág), era alfabetizar as crianças em língua portuguesa, e era proibido falar outra língua na classe. Isso foi um problema para Zaqueu, que não dominava o idioma lusitano e gostava mais dos intervalos, quando podia brincar e conversar com os colegas em kanhgág. Ele conta que para receber a merenda era preciso pedir em português, caso contrário, deveria voltar para o final da fila. Até aprender, o menino passou por isso diversas vezes, torcendo para que tivesse sobrado comida quando chegasse a sua vez. Foi nesta época que Zaqueu percebeu que o objetivo da escola era, mais do que alfabetizar as crianças indígenas em português, fazer com que o idioma substituísse o kanhgág.Zaqueu permaneceu na escola até os 16 anos, quando se casou. De acordo com a cultura kaingang, os indivíduos pertencentes ao grupo dos Kamẽ (como Zaqueu) devem se casar com alguém de outro grupo, Kajru. Após o casamento, o noivo deve ir morar com a família da noiva, e o sogro passa a ser seu professor, ensinando conhecimentos diferentes dos recebidos na casa dos pais. Casado, Zaqueu passou a ser considerado adulto, e precisou parar de estudar para ajudar o sogro a sustentar a família. Segundo Zaqueu, o que aconteceu com ele é muito comum, pois a educação escolar indígena costuma ser voltada às crianças, não levando em conta especificidades culturais como as dos kaingang.

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